A Hungria não é um país qualquer, viajar pra lá requer olhos atentos e interesse histórico, pois você pode até viajar para um lugar bonito, mas entender suas nuances vai enriquecer muito mais sua passagem e trazer entendimento de como as coisas são atualmente.
A origem da história húngara, nos remete as 7 tribos Magiares que vieram dos Montes Urais e se estabeleceram nos Cárpatos no século IX, no ano 1.000 com a oficialização do reino e a coroação do Rei Cristão Estevão I (Santo Estevão).
O nome “Hungria” deriva do termo turco onogur, que significa “dez flechas”, simbolizando a união militar dessas tribos. As 7 Magiares e outras 3 aliadas.
Depois de um período de consolidação do poder, com a eliminação de pagãos, conversão ao cristianismo e expansão para regiões como a Transilvânia, a Hungria enfrentou invasões mongóis entre 1241 e 1242 (executada por Batu Cã, neto de Gengis Khan) e isso devastou o reino. Batu Cã teve que retornar à Mongólia depois de conquistar partes da Rússia, da Polônia, Hungria e Áustria. Seu avô havia morrido e ele precisava participar da sucessão imperial. Iniciou-se aí um período de reconstrução com o Rei Béla IV.
Béla, é considerado o segundo baluarte do império pois praticamente refundou o reino. Ele iniciou a fortificação do território com a construção de fortes e castelos (inclusive o de Buda). Reorganizou uma reforma no sistema feudal fortalecendo o poder real e comprando a lealdade de nobres por meio de concessões de terras (aí surge na Transilvânia uma certa dinastia Vlad que ficaria famosa anos depois num livro de contos de Bram Stocker). Para recuperar a população dizimada pelos Mongóis, convidou colonos alemães, eslavos e valões para ocupar o território, dando isenção fiscal e liberdade religiosa. Criou reconstruções urbanas em torno de fortalezas, criando novas vilas que iriam impulsionar o comércio e a economia local. Se fosse um político atual, com certeza usaria como slogan de campanha os dizeres "por uma Hungria forte novamente".
Cerca de 300 anos depois os problemas começaram com a expansão do império Otomano nos Bálcãs, até que em 1526 foram derrotados na batalha de Mohács e o rei morreu na fuga. Com a vacância de poder, este foi dividido entre os Otomanos e os Habsburgos em 1541, os Otomanos conquistaram Buda e se consolidaram no poder até o final do século XVII quando os Habsburgos enfim iniciariam a reconquista e se consolidaram no poder.
Durantes essas guerras contra os Otomanos um líder daquela dinastia Vlad que eu me referi mais cedo, teve seus filhos sequestrados pelos otomanos para que ele como seu poderoso exército lutasse contra os húngaros mesmo contra a sua vontade. Durante as batalhas esse líder morreu e seu filho sedento de vingança conseguiu fugir do cativeiro iniciando uma carnificina nas frentes otomanas, o que lhe valeu uma aura mítica que foi criativamente usada por Bram Stoker na criação de seu personagem Drácula.
Como a influência e proteção dos Habsburgos da Áustria, o período foi de grande prosperidade porém após a revolução francesa, ficou claro que o modelo absolutista adotado não se sustentaria e com reordenação do mapa político europeu após o período napoleônico a pressão nacionalista vindo do processo de unificação da Itália e da Alemanha fez com que movimentos nacionalistas húngaros também se iniciassem, mesmo sendo reprimidos havia-se de se dar alguma autonomia à região e nesse contexto criou-se um império dual em 1867. Dois Estados autônomos: Império da Áustria e Reino da Hungria, cada um com seu próprio parlamento, governo e administração mas com instituições compartilhadas na política externa, defesa e finanças. Francisco José I foi simultaneamente imperador da Áustria e Rei da Hungria. Aí surgiu a popular figura de Sissi, a esposa de Francisco José e simpática a causa húngara. Praticamente uma Lady Diana do século XIX.
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Sissi a imperatriz Austríaca sendo homenageada na Hungria. |
Esse novo arranjo fortaleceu a Hungria mas deixou insatisfeitos outros grupos étnicos com tchecos, eslovacos, croatas, romenos, ucranianos e sérvios. Até que em meio a conflitos populares da Sérvia em 1914, Francisco José resolveu mandar seu herdeiro do trono para Sarajevo um grupo nacionalista radical cometeu um atentado (da mesma forma que suspeita-se que tenha ocorrido com Rudolph, filho legítimo de Francisco José e que ocorreu com Sissi). O mesmo foi morto desencadeando o estopim da Primeira Guerra Mundial.
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Franz Ferdiand momento antes de sua morte a a de sua esposa, o início da 1a Guerra mundial |
Por uma série de alianças, o império Áustro - Húngaro ao declarar guerra à Sérvia, tinha uma aliança com a Alemanha e Itália que acabaram declarando guerra aos aliados da Sérvia (Rússia, França e Inglaterra). O resto é história.... mas a Primeira guerra mundial fez o mapa da Europa mudar ...
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Mapa da Europa antes da 1a Guerra |
O esfacelamento do Império Áustro -Húngaro criou novos países no cenário político.
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Mapa da Europa com vários novos países depois da 1a guerra |
O Tratado de Versailles formalizou as mudanças, decretou a a derrota e impôs pesadas penalidades principalmente para a Alemanha, a partir daí eu costumo a considerar que já seja o início da Segunda Guerra mundial (a revanche alemã). Mas as coisas não pararam por aí especificamente para a Hungria houve ainda o Tratado de Trianon de 1920 onde perdeu 2/3 de seu território e metade da sua população. Regiões foram divididas entre a Romênia, a Tchecoslováquia e Iugoslávia e o sentimento imediato foi de humilhação nacional gerando movimentos ultra nacionalistas radicais (assim como na Alemanha).
Especificamente na Hungria o movimento foi liderado pelo partido da Cruz Flechada em 1939, eram ultranacionalistas, antissemitas, anticapitalistas, antissocialistas e redentistas (reivindicavam os territórios perdidos no Tratado de Trianon). Só subiram ao poder após uma tentativa fracassada de sair da guerra.
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A íntegra do manifesto colocado no momumento popular : " Este monumento foi encomendado pelo governo da Hungria (ou,
para ser mais exato, pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, com poder quase
ilimitado) e erguido furtivamente, após inúmeros atrasos, sob o manto da noite
que amanheceu em 20 de julho de 2014. Na beira da calçada em frente ao memorial, você pode ver
esculturas comemorativas, objetos pessoais, fotografias, livros e documentos.
Estes foram trazidos aqui sem serem convidados nos últimos anos por cidadãos
indignados com a falsificação da história que se manifesta no monumento, que
foi erguido arbitrariamente sem consulta aos planejadores urbanos e à
comunidade. Na redação oficial, o conjunto escultórico comemora a
ocupação alemã da Hungria em 19 de março de 1944. Como resultado do escândalo
que se seguiu à publicação do projeto, o texto foi alterado para "as
vítimas da ocupação". A figura central da composição é o Arcanjo Gabriel
personificando a Hungria inocente, deixando cair (na verdade, parece oferecer)
o orbe do país, enquanto a águia imperial alemã se prepara para atacar. Assim,
a obra reflete subservientemente a nova constituição do partido político
populista e autoritário no poder, imposta à população novamente sem qualquer
consulta, sugerindo que o Estado da Hungria não tem responsabilidade pelo
genocídio após a ocupação alemã, incluindo a deportação de quase meio milhão de
cidadãos húngaros (principalmente judeus, mas também ciganos, gays e
dissidentes) para campos de extermínio nazistas. Este monumento é uma mentira a serviço de uma intenção
política. A Hungria foi uma aliada fiel da Alemanha de Hitler durante
a Segunda Guerra Mundial, sendo a primeira, em 1940, a se juntar às potências
do Eixo. Em 19 de março de 1944, as tropas alemãs que chegavam foram recebidas
com buquês em vez de balas. Essa ocupação deixou a administração estatal
intocada e a administração, por sua vez, organizou e executou com entusiasmo e
muita eficácia as deportações em massa, superando até mesmo as expectativas
alemãs. A Hungria foi a primeira na Europa, em 1920, a aprovar uma
lei antissemita seguida por uma série de leis semelhantes, cada vez mais
severas, privando os judeus húngaros de cada vez mais direitos; o estado que
enviou para a morte vinte mil pessoas incapazes de certificar sua cidadania
húngara; o estado cujos gendarmes e soldados assassinaram vários milhares de
civis em Novi Sad no inverno de 1942-43; o estado que sacrificou duzentos mil
soldados em uma guerra sem sentido, enquanto algumas de suas unidades de
ocupação no exterior cometeram uma série de crimes de guerra contra a população
civil. Os membros da Academia Húngara de Ciências condenaram
unanimemente a mensagem sugerida por este monumento, rotulando-o como uma
tentativa de reescrever a história. "
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A águia maldosa nazista usurpando a maçã da pobre coitada Hungria, mas a história não foi bem assim ...
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A Hungria apoiou Hitler formalmente a partir de 1940, soldados húngaros invadiram a Iugoslávia e a União Soviética tendo grandes perdas em Stalingrado. Vendo que estavam do lado errado, e já no fim da guerra em 1944, tentaram um armistício com os aliados. Em resposta a isso, Hitler iniciou a Operação Margarethe invadindo a Hungria e colocando, aí sim, os Flechas Cruzadas no poder. Iniciou-se uma severa perseguição aos judeus e ciganos (estima-se que entre 10 e 15 mil civis foram mortos), 80 mil judeus foram deportados para campos de concentração na Áustria nesse período.
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Monumento em homenagem aos milhares de judeus e opositores do regime que eram colocados na margem do Danúbio e fuzilados pelos nazistas. |
Em março de 1945 o Exército Vermelho "libertou" a Hungria do regime autoritário e iniciou outro período de ocupação, pelo apoio à Alemanha, fizeram questão de devastar o país com infra estrutura colapsada. O saldo da guerra foi de 300 mil soldados e 600 mil civis mortos, além disso os traumas persistem até hoje e se seguiram décadas de ocupação soviética.
Iniciou-se assim o regime comunista húngaro de 1945 a 1991. Apesar da URSS ter libertado a Hungria das mãos dos alemãs, nada mais foi que uma troca de ocupantes no poder, o período foi de repressão política, controle ideológico, presença militar contínua e transformações socioeconômicas profundas. Mesmo perdendo as eleições de 1945 o Partido Comunista gradualmente chegou ao poder, em outubro de 1956, a população se rebelou contra o regime e foi violentamente reprimida com uma invasão de tanques soviéticos nas ruas de Budapeste e combates sendo travados nas suas esquinas... cerca de 10 anos mais tarde esse movimento influenciaria a primavera de Praga (outro movimento similar).
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Monumento aos mortos caídos após a revolta de 1956 |
Em 1989 as tropas soviéticas começaram a se retirar, em 1991 formalizou-se a retirada dando início a república democrática e a uma economia de mercado, o capitalismos floresceu de forma feroz. Atualmente a ocupação da capital Budapeste é formada por hordas de turistas que buscam conhecer um pouco da beleza e da história desse povo.
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