terça-feira, 14 de outubro de 2025

Budapeste Fervilha

 

O Castelo de Buda com a Ponte das Correntes em primeiro plano


A Hungria é uma nação no centro do mundo. A cultura de um país milenar que se alimenta de culturas diversas desde seus invasores até povos próximos. Essa miscigenação de culturas, somada a uma história, longa e por muitas vezes sofrida, fez do país um agregador de culturas do mundo, uma curva riquíssima do rio Danúbio. Poucas culturas conseguiriam se manter ao longo de milênios com tantas influências, foram invasões mongóis, otomanas, germânicas, austríacas, nazistas e soviéticas. São influências de todos esses além de romanas, italianas, alemãs, francesas e americanas

Os Cárpatos é um meio do caminho da Europa ocidental , do sul e leste europeus, mas também com influência indiana, iraniana, judaica, grega e turca. Dentro dessa miríade de culturas o país próspera  com complexidade e dualidade. 

O movimento frenético de barcos atravessando a parte mais charmosa do Rio Danúbio contrasta com a vida ainda um pouco pacata de uma cidade com  um pouco mais de 1,5 milhões de habitantes. As tristezas do passado comunista dão lugar ao capitalismo sem freio. A austeridade do povo sede espaço aos bares cheios de vida e noitadas animadas. Budapeste prega a democracia e a renovação mas teve apoio em regimes autoritários próprios e dos seus invasores e em governos como o do primeiro ministro Viktor Orban que governa o país há 15 anos.

 É um povo rude e sério (que beira o mal educado) contrastando com  crianças lindas e risonhas. Mil anos de história e parece que ainda tentam se descobrir como nação. 

sábado, 11 de outubro de 2025

A rica história da Hungria

 A Hungria não é um país qualquer, viajar pra lá requer olhos atentos e interesse histórico, pois você pode até viajar para um lugar bonito, mas entender suas nuances vai enriquecer muito mais sua passagem e trazer entendimento de como as coisas são atualmente.

A origem da história húngara, nos remete as 7 tribos Magiares que vieram dos Montes Urais e se estabeleceram nos Cárpatos no século IX, no ano 1.000 com a oficialização do reino e a coroação do Rei Cristão Estevão I (Santo Estevão).

Praça dos Heróis (os 7 líderes Magiares que fundaram a nação).


Monumento de Santo Estevão no Bastião dos Pescadores 

O nome “Hungria” deriva do termo turco onogur, que significa “dez flechas”, simbolizando a união militar dessas tribos. As 7 Magiares e outras 3 aliadas.


Depois de um período de consolidação do poder, com a eliminação de pagãos, conversão ao cristianismo e expansão para regiões como a Transilvânia, a Hungria enfrentou invasões mongóis entre 1241 e 1242 (executada por Batu Cã, neto de Gengis Khan) e isso devastou o reino. Batu Cã teve que retornar à Mongólia depois de conquistar partes da Rússia, da Polônia, Hungria e Áustria. Seu avô havia morrido e ele precisava participar da sucessão imperial. Iniciou-se aí um período de reconstrução com o Rei Béla IV.

Béla, é considerado o segundo baluarte do império pois praticamente refundou o reino. Ele iniciou a fortificação do território com a construção de fortes e castelos (inclusive o de Buda). Reorganizou uma reforma no sistema feudal fortalecendo o poder real e comprando a lealdade de nobres  por meio de concessões de terras (aí surge na Transilvânia uma certa dinastia Vlad que ficaria famosa anos depois num livro de contos de Bram Stocker). Para recuperar a população dizimada pelos Mongóis, convidou colonos alemães, eslavos e valões para ocupar o território, dando isenção fiscal e liberdade religiosa. Criou reconstruções urbanas em torno de fortalezas, criando novas vilas que iriam impulsionar o comércio e a economia local. Se fosse um político atual, com certeza usaria como slogan de campanha os dizeres "por uma Hungria forte novamente".

Castelo de Buda criado por Béla IV


Cerca de 300 anos depois os problemas começaram com a expansão do império Otomano nos Bálcãs, até que em 1526 foram derrotados na batalha de Mohács e o rei morreu na fuga. Com a vacância de poder, este foi dividido entre os Otomanos e os Habsburgos em 1541, os Otomanos conquistaram Buda e se consolidaram no poder até o final do século XVII quando os Habsburgos enfim iniciariam a reconquista e se consolidaram no poder. 

Durantes essas guerras contra os Otomanos um líder daquela dinastia Vlad que eu me referi mais cedo, teve seus filhos sequestrados pelos otomanos para que ele como seu poderoso exército lutasse contra os húngaros mesmo contra a sua vontade. Durante as batalhas esse líder morreu e seu filho sedento de vingança conseguiu fugir do cativeiro iniciando uma carnificina nas frentes otomanas, o que lhe valeu uma aura mítica que foi criativamente usada por Bram Stoker na criação de seu personagem Drácula

Como a influência e proteção dos Habsburgos da Áustria, o período foi de grande prosperidade porém após a revolução francesa, ficou claro que o modelo absolutista adotado não se sustentaria e com reordenação do mapa político europeu após o período napoleônico a pressão nacionalista vindo do processo de unificação da Itália e da Alemanha fez com que movimentos nacionalistas húngaros também se iniciassem, mesmo sendo reprimidos havia-se de se dar alguma autonomia à região e nesse contexto criou-se um império dual em 1867. Dois Estados autônomos: Império da Áustria e Reino da Hungria, cada um com seu próprio parlamento, governo e administração mas com instituições compartilhadas na política externa, defesa e finanças. Francisco José I foi simultaneamente imperador da Áustria e Rei da Hungria. Aí surgiu a popular figura de Sissi, a esposa de Francisco José e simpática a causa húngara. Praticamente uma Lady Diana do século XIX.


Sissi a imperatriz Austríaca sendo homenageada na Hungria.

Esse novo arranjo fortaleceu a Hungria mas deixou insatisfeitos outros grupos étnicos com tchecos, eslovacos, croatas, romenos, ucranianos e sérvios. Até que em meio a conflitos populares da Sérvia em 1914,  Francisco José resolveu mandar seu herdeiro do trono para Sarajevo um grupo nacionalista radical cometeu um atentado (da mesma forma que suspeita-se que tenha ocorrido com Rudolph, filho legítimo de Francisco José e que ocorreu com Sissi). O mesmo foi morto desencadeando o estopim da Primeira Guerra Mundial.

Franz Ferdiand momento antes de sua morte a a de sua esposa, o início da 1a Guerra mundial

Por uma série de alianças, o império Áustro - Húngaro ao declarar guerra à Sérvia, tinha uma aliança com a Alemanha e Itália que acabaram declarando guerra aos aliados da Sérvia (Rússia, França e Inglaterra). O resto é história.... mas a Primeira guerra mundial fez o mapa da Europa mudar ...

Mapa da Europa antes da 1a Guerra

O esfacelamento do Império Áustro -Húngaro criou novos países no cenário político.

Mapa da Europa com vários novos países depois da 1a guerra

O Tratado de Versailles formalizou as mudanças, decretou a a derrota e impôs pesadas penalidades principalmente para a Alemanha, a partir daí eu costumo a considerar que já seja o início da Segunda Guerra mundial (a revanche alemã). Mas as coisas não pararam por aí especificamente para a Hungria houve ainda o Tratado de Trianon de 1920 onde perdeu 2/3 de seu território e metade da sua população. Regiões foram divididas entre a Romênia, a Tchecoslováquia e Iugoslávia e o sentimento imediato foi de humilhação nacional gerando movimentos ultra nacionalistas radicais (assim como na Alemanha).  

Especificamente na Hungria o movimento foi liderado pelo partido da Cruz Flechada em 1939, eram ultranacionalistas, antissemitas, anticapitalistas, antissocialistas e redentistas (reivindicavam os territórios perdidos no Tratado de Trianon). Só subiram ao poder após uma tentativa fracassada de sair da guerra.

A íntegra do manifesto colocado no momumento popular : " Este monumento foi encomendado pelo governo da Hungria (ou, para ser mais exato, pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, com poder quase ilimitado) e erguido furtivamente, após inúmeros atrasos, sob o manto da noite que amanheceu em 20 de julho de 2014. Na beira da calçada em frente ao memorial, você pode ver esculturas comemorativas, objetos pessoais, fotografias, livros e documentos. Estes foram trazidos aqui sem serem convidados nos últimos anos por cidadãos indignados com a falsificação da história que se manifesta no monumento, que foi erguido arbitrariamente sem consulta aos planejadores urbanos e à comunidade. Na redação oficial, o conjunto escultórico comemora a ocupação alemã da Hungria em 19 de março de 1944. Como resultado do escândalo que se seguiu à publicação do projeto, o texto foi alterado para "as vítimas da ocupação". A figura central da composição é o Arcanjo Gabriel personificando a Hungria inocente, deixando cair (na verdade, parece oferecer) o orbe do país, enquanto a águia imperial alemã se prepara para atacar. Assim, a obra reflete subservientemente a nova constituição do partido político populista e autoritário no poder, imposta à população novamente sem qualquer consulta, sugerindo que o Estado da Hungria não tem responsabilidade pelo genocídio após a ocupação alemã, incluindo a deportação de quase meio milhão de cidadãos húngaros (principalmente judeus, mas também ciganos, gays e dissidentes) para campos de extermínio nazistas. Este monumento é uma mentira a serviço de uma intenção política. A Hungria foi uma aliada fiel da Alemanha de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, sendo a primeira, em 1940, a se juntar às potências do Eixo. Em 19 de março de 1944, as tropas alemãs que chegavam foram recebidas com buquês em vez de balas. Essa ocupação deixou a administração estatal intocada e a administração, por sua vez, organizou e executou com entusiasmo e muita eficácia as deportações em massa, superando até mesmo as expectativas alemãs. A Hungria foi a primeira na Europa, em 1920, a aprovar uma lei antissemita seguida por uma série de leis semelhantes, cada vez mais severas, privando os judeus húngaros de cada vez mais direitos; o estado que enviou para a morte vinte mil pessoas incapazes de certificar sua cidadania húngara; o estado cujos gendarmes e soldados assassinaram vários milhares de civis em Novi Sad no inverno de 1942-43; o estado que sacrificou duzentos mil soldados em uma guerra sem sentido, enquanto algumas de suas unidades de ocupação no exterior cometeram uma série de crimes de guerra contra a população civil. Os membros da Academia Húngara de Ciências condenaram unanimemente a mensagem sugerida por este monumento, rotulando-o como uma tentativa de reescrever a história. "


A águia maldosa nazista usurpando a maçã da pobre coitada Hungria, mas a história não foi bem assim ...

A Hungria apoiou Hitler formalmente a partir de 1940, soldados húngaros invadiram a Iugoslávia e a União Soviética tendo grandes perdas em Stalingrado. Vendo que estavam do lado errado, e já no fim da guerra em 1944, tentaram um armistício com os aliados. Em resposta a isso, Hitler iniciou a Operação Margarethe invadindo a Hungria e colocando, aí sim, os Flechas Cruzadas no poder. Iniciou-se uma severa perseguição aos judeus e ciganos (estima-se que entre 10 e 15 mil civis foram mortos), 80 mil judeus foram deportados para campos de concentração na Áustria nesse período.

Monumento em homenagem aos milhares de judeus e opositores do regime que eram colocados na margem do Danúbio e fuzilados pelos nazistas.


Em março de 1945 o Exército Vermelho "libertou" a Hungria do regime autoritário e iniciou outro período de ocupação, pelo apoio à Alemanha, fizeram questão de devastar o país com infra estrutura colapsada. O saldo da guerra foi de 300 mil soldados e 600 mil civis mortos, além disso os traumas persistem até hoje e se seguiram décadas de ocupação soviética.

Iniciou-se assim o regime comunista húngaro de 1945 a 1991. Apesar da URSS ter libertado a Hungria das mãos dos alemãs, nada mais foi que uma troca de ocupantes no poder, o período foi de repressão política, controle ideológico, presença militar contínua e transformações socioeconômicas profundas. Mesmo perdendo as eleições de 1945 o Partido Comunista gradualmente chegou ao poder, em outubro de 1956, a população se rebelou contra o regime e foi violentamente reprimida com uma invasão de tanques soviéticos nas ruas de Budapeste e combates sendo travados nas suas esquinas... cerca de 10 anos mais tarde esse movimento influenciaria a primavera de Praga (outro movimento similar). 

Monumento aos mortos caídos após a revolta de 1956

Em 1989 as tropas soviéticas começaram a se retirar, em 1991 formalizou-se a retirada dando início a república democrática e a uma economia de mercado, o capitalismos floresceu de forma feroz. Atualmente a ocupação da capital Budapeste é formada por hordas de turistas que buscam conhecer um pouco da beleza e da história desse povo. 




quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Viajar é atravessar o tempo: a história que vive em cada esquina.

Uma das maiores forças que impulsionam o turismo é a diversidade cultural que existe no mundo. Cada língua, prato típico, costume ou religião carrega marcas de acontecimentos que moldaram aquele lugar — muito antes de nossa chegada.

E não estamos falando apenas de grandes eventos históricos, como visitar a Sala dos Espelhos onde foi assinado o Tratado de Versailles, o castelo da Defenestração de Praga ou o salão onde Mozart se apresentou pela primeira vez. A história também vive nos detalhes menos óbvios.

 A arquitetura local, por exemplo, é um reflexo direto do passado. Ela revela como os povos usaram os materiais disponíveis, se adaptaram ao clima e até encontraram formas criativas de pagar menos impostos aos governantes da época. Cada construção tem uma razão de ser — e uma história para contar.

A gastronomia também é um livro aberto. Sabores como o goulash húngaro, o Cury indiano ou o acarajé baiano são testemunhos vivos de tradições, trocas culturais e até conflitos. Já ouviu falar da “guerra do croissant”? Pois é, até os pães têm seus embates históricos.

Religiões e crenças deixam marcas profundas. É comum encontrar igrejas transformadas em mesquitas, templos que viraram museus, ou festivais que misturam rituais ancestrais com celebrações modernas. Cada transformação carrega camadas de significado.

Viajar é mais do que deslocar-se fisicamente — é atravessar o tempo.
É um convite à reflexão, ao respeito pelo passado e à inspiração para o futuro. É entender que cada esquina tem algo a ensinar, e que o mundo é um mosaico de histórias esperando para serem descobertas.